quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Bacia do Sinos: território e participação

Por Julio Dorneles

A Bacia do Sinos abastece 32 municípios e tem uma área de 3.820 km². Seu principal rio é o Sinos, que percorre 190 km desde sua nascente em Caraá (RS) até sua foz no Delta do Jacuí (Canoas/RS). Ao todo, a Bacia do Rio dos Sinos é constituída por nada menos que 3.300 quilômetros de rios (Sinos, Paranhana, Rolante e rio da Ilha), arroios e córregos, Nos dias 6 e 7 de outubro de 2006 uma tragédia abateu-se sobre o Rio dos Sinos: cerca de 100 toneladas de peixes apareceram mortos na foz do Arroio Portão. Era época da desova e da reprodução dos peixes. Tratava-se da maior mortandade registrada até então nos últimos 40 anos, alcançando repercussão nacional e internacional.
Mesmo antes desse trágico evento, a bacia do Sinos já era classificada entre as três bacias hidrográficas em situação mais crítica no Brasil pela Agência Nacional de Águas – ANA. Essa classificação crítica se dá basicamente por duas razões principais: o alto grau de poluição das águas e, indissociável disso, a baixa ou pouca disponibilidade de águas na bacia. Atualmente, a Bacia do Sinos depende da transposição de águas de outro importante rio do Estado do Rio Grande do Sul, o rio Caí. Além da poluição industrial e urbana, a situação se agrava muito com a intensa captação de água realizada para cultivo do arroz na maioria dos setores da bacia do Sinos.
A bacia dispunha desde 1988, do primeiro Comitê de Bacia Hidrográfica do Brasil, o Comitesinos, e também reunia centenas de entidades não-governamentais, movimentos sociais, sindicais e populares e ambientais pioneiros no país, mas ainda precisava de um órgão executivo capaz de induzir projetos, planos e ações concretas e articuladas entre os entes da federação a fim de reverter a situação crítica da bacia do Sinos. Diante disso, nasceu o Consórcio Pró-Sinos que, desde o começo de suas atividades em 2007, contou com o apoio do FNMA/MMA no fomento à instituição de um programa permanente de educação ambiental, baseado na metodologia dos coletivos educadores, construindo-se então um Projeto Político Pedagógico (PPP) para o Programa de Educação Ambiental (PEA) do Pró-Sinos.
Segundo o MMA (Brasil, 2006), cada coletivo educador caracteriza-se pela união de pessoas que trazem o apoio de suas organizações para atuação educacional ambiental em um determinado território que se quer sustentável. No coletivo educador, as pessoas aprendem participando (metodologia PAP), de modo crítico, construtivo e dialógico (Figueiredo, 2007; Loureiro e Leroy, 2006). Dessa forma, cria-se um efeito de onda e gradativamente constituem-se redes de educadores ambientais populares que tem compromisso com a melhoria efetiva de seus territórios de atuação.
Em seus primeiros passos, o Programa de Fomento à Educação Ambiental voltada à recuperação ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos/Pró-Sinos-FNMA precisava reunir e integrar em rede inúmeras práticas pré-existentes de educação ambiental popular no território da bacia do Sinos. Como já referido, a região apresentava práticas de educação ambiental com diversos atores locais. Em alguns municípios da bacia, como, por exemplo, Parobé e Igrejinha, coletivos educadores ambientais atuavam havia décadas. Com a implantação do PEA Pró-Sinos/FNMA, essas práticas locais puderam integrar-se e intercambiar-se, o que facilmente o leitor poderá perceber na medida em que for lendo desta publicação.
Em quatro anos, o PEA Pró-Sinos/FNMA formou mais de três mil agentes de educação ambiental que atuam em associações, cooperativas, fóruns de recicladores, sindicatos, igrejas, entidades de classe, escolas públicas e comunitárias. Coletivos que atuavam de modo isolado e que desconheciam seus pares, hoje atuam de forma integrada em encontros micro e macrorregionais. A educação ambiental realizada por educadores e educandos em espaços escolares em muito ultrapassou os limites formais de escolas públicas, comunitárias ou privadas, integrando-se ao entorno escolar, ao bairro e à comunidade. Atualmente, é comum encontrarmos coletivos educadores com autonomia que agem em territórios de microbacias, junto aos nossos arroios (riachos, afluentes do Sinos).  Evidentemente que essa práxis não somente enfrenta conflitos em relação aos usos e abusos dos recursos hídricos e de outros recursos naturais e patrimônios ambientais da bacia do Sinos, como gera demandas por políticas públicas de saneamento básico e ambiental, pelo controle e fiscalização de potenciais poluidores e por uma ampliação do compromisso da atual geração com as futuras gerações (eixo da sustentabilidade ambiental).
Como uma expressão dessa caminhada em que Pessoas Aprendem Participando a preservar a Natureza, o Pró-Sinos, com os apoios institucional e financeiro do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA/Governo Federal), publica “AGENDA 21 e demais ações de Educação Ambiental dos Coletivos Educadores da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos”. Trata-se de um volume de registros representativos do desenvolvimento da Agenda 21 em nossa região e da disseminação da formação de agentes socioambientais (PAP3) em toda a Bacia do Rio dos Sinos, tecendo-se uma ampla rede de projetos, programas e ações que perpassam comunidades, sindicatos, associações e escolas em seus territórios e microterritórios (a escola que se abre para a comunidade e que interage com o ambiente, com seu entorno, o seu “meio ambiente”).
Como diz o professor Moacir Gadotti trata-se da pedagogia da práxis como "a teoria de uma prática pedagógica que procura não esconder o conflito, a contradição, mas, ao contrário, entende-os como inerentes á existência humana, explicita-os e convive com eles. Ela se inspira na dialética" (Gadotti, 2005, p. 239).  A educação ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos passa por essa perspectiva, de uma educação transformadora, popular, que considera os mais oprimidos, os mais pobres, os mais excluídos da sociedade como sujeitos desse processo de transformação. No exato sentido do que ensinou-nos o mestre Paulo Freire: trabalhar as contradições básicas, a situação existencial dos sujeitos, concreta, presente, como problema desafiador, que exige resposta não somente intelectual (necessária por certo), mas também na práxis, na ação (Freire, 1987).

Bibliografia de referência:
BRASIL. Programa Nacional de Formação de Educadores Ambientais – por um Brasil educado e educando ambientalmente para a sustentabilidade. Brasília: MMA: Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, 2006.
FIGUEIREDO, João B. A. Educação Ambiental Dialógica: As Contribuições de Paulo Freire e a Cultura Sertaneja Nordestina. Fortaleza: Edições UFC, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GADOTTI, Moacir. Encontros e Caminhos: Formação de Educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2005.
HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1995.
NIVEAU, Maurice. “As conseqüências sociais da industrialização”. In: História dos Fatos Econômicos Contemporâneos.São Paulo : Difel, 1986.
LOUREIRO, Carlos Frederico B.; LEROY, Jean-Pierre. Pensamento Complexo, Dialética e Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.


Julio Dorneles é educador e téologo, professor de história com especialização em administração pública e diretor executivo do Pró-Sinos na gestão de seu presidente (2011-2012), o prefeito municipal de São Leopoldo (RS), Ary José Vanazzi.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A história da relação entre do ser humano e o meio ambiente

Por Julio Dorneles

A verdadeira, a mais profunda
ESPIRITUALIDADE
consiste em sentir-nos parte integrante deste
MARAVILHOSO E MISTERIOSO PROCESSO
que caracteriza
GAIA
nosso planeta vivo: a
FANTÁSTICA SINFONIA DA EVOLUÇÃO ORGÂNICA
que nos deu origem
junto com milhões de outras espécies.
É sentir-nos responsáveis pela sua continuação e desdobramento
Prof. José Antônio Lutzenberger
(agrônomo e ecologista brasileiro,
 Porto Alegre, 1926-2002)

Na natureza nada é contingente, mas todas as coisas são determinadas pela necessidade da natureza divina de existir e agir de uma certa maneira.
"In nature there is nothing contingent, but all things are determined from the necessity of the divine nature to exist and act in a certain manner."
Baruch Spinoza (filósofo, 1632, Amsterdã-1677, Haia)

É difícil dizer com exatidão quando teve início essa relação complexa e conflituosa entre o ser humano e o meio ambiente na Bacia do Sinos. O que é certo é que essa relação se tornou mais crítica a partir da chegada dos primeiros povoadores portugueses, açorianos, num primeiro momento, e demais colonizadores europeus de diversas etnias. Esse processo se aprofundou ao longo do século XIX com uma crença quase que cega em relação ao “progresso”. Entendendo-se por “progresso” um processo de expansão sem limites ou fronteiras de todas as atividades humanas, em especial da agricultura, do comércio e da indústria, esta última como o carro-chefe e locomotiva da história. Nessa visão de progresso, o comércio, as artes, os ofícios e a indústria, assim como na Europa, não vinham por estradas (aqui praticamente inexistentes), mas pelos rios, e, em nosso caso pelo sistema Lagoa dos Patos-Lago Guaíba-Rio dos Sinos-Rio Caí-Rio Gravataí e Rio Jacuí.
Símbolo emblemático dessa histórica foi a chegada dos primeiros 39 imigrantes alemães ao Brasil, que chegaram a São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Esses alcançaram seu destino na América através das águas do Oceano Atlântico, passando pelo Rio de Janeiro, e de lá para Porto Alegre e seu destino, após longa jornada, pelas águas do Rio dos Sinos até o ponto onde atualmente existe o Monumento ao Imigrante (Praça de mesmo nome, no centro de São Leopoldo). Os imigrantes europeus em geral, não somente os alemães, vieram para ocupar e povoar o território rio-grandense, seguindo o princípio que somente reconhecia a soberania sobre territórios efetivamente ocupados. O Império do Brasil estava sob a regência de uma família descendente direta da Casa de Bragança, que, por sua vez, tinha laços de parentesco com as Casas de Habsburgo e de Bourbon, o que incluía boa parte das populações europeias mais pobres na condição de mão de obra adequada à tarefa de ocupar e povoar de forma produtiva os territórios na fronteira meridional do “gigante” Brasil. Lembrando que por todo o século 19 não foram poucos os conflitos internos e externos (especialmente com os “vizinhos” do Rio da Prata) que acabaram por envolver direta ou indiretamente os imigrantes que aqui chegavam.
Um dos descendentes desses primeiros imigrantes, Henrique Luiz Roessler, fundou em 1º de janeiro de 1955 a União Protetora da Natureza – UPN, a primeira entidade ecológica do Brasil, sendo considerado por isso o pioneiro do movimento ambientalista no Brasil e um dos primeiros brasileiros a introduzir o conceito de proteção ambiental, alertando para a necessidade de preservação das matas, indispensáveis a conservação dos recursos hídricos, dos arroios, dos rios. Roessler enfrentou madeireiras irregulares, caça predatória, pesca com uso de explosivos e agricultores incendiários, isso em uma época em que pouquíssimos brasileiros tinham consciência dos danos causados à Natureza mediante essas ações que eram consideradas "naturais” e necessárias para o avanço do progresso e para o desenvolvimento do país. Passadas décadas, as concepções pioneiras de ocupação, povoamento, progresso, preservação e proteção ambiental são trabalhas por milhares de agentes socioambientais reunidos e integrados em redes de coletivos educadores por toda a Bacia do Rio dos Sinos.


Bibliografia de referência:
BRASIL. Programa Nacional de Formação de Educadores Ambientais – por um Brasil educado e educando ambientalmente para a sustentabilidade. Brasília: MMA: Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, 2006.
FIGUEIREDO, João B. A. Educação Ambiental Dialógica: As Contribuições de Paulo Freire e a Cultura Sertaneja Nordestina. Fortaleza: Edições UFC, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GADOTTI, Moacir. Encontros e Caminhos: Formação de Educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2005.
HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1995.
NIVEAU, Maurice. “As conseqüências sociais da industrialização”. In: História dos Fatos Econômicos Contemporâneos.São Paulo : Difel, 1986.
LOUREIRO, Carlos Frederico B.; LEROY, Jean-Pierre. Pensamento Complexo, Dialética e Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.


Julio Dorneles é educador e téologo, professor de história com especialização em administração pública e diretor executivo do Pró-Sinos na gestão de seu presidente (2011-2012), o prefeito municipal de São Leopoldo (RS), Ary José Vanazzi.